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Jupiter visto da terra

sábado, 26 de novembro de 2011

Semana da Ciência e da Tecnologia 2011 - Tertúlia on-line (VIII)


Poema da Auto-estrada

Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.

Leva calções de pirata,
vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina,
de impaciente nervura.
como guache lustroso,
amarelo de idantreno,
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta:
Vai na brasa, de lambreta.

Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa e bem segura.

Com um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta,
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe Leonor
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta
Vai na brasa, de lambreta.

in
Máquina de Fogo (1961) - António Gedeão

NOTA: com o seu habitual humor e ironia, António Gedeão retoma o poema e a personagem de Camões, imprimindo-lhe um modernismo curioso:

Descalça vai para a fonte

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.

Luís Vaz de Camões

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